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A disputa entre ricos e pobres voltou ao debate nacional quando, ao reagir à interferência indevida do Congresso, o governo Lula ingressou no Supremo Tribunal Federal (STF) para manter o decreto do IOF e veio a público, em entrevistas e posts nas redes sociais, argumentando que este é um imposto que atinge principalmente os mais ricos (verdade) e a melhor opção para cumprir o arcabouço fiscal sem cortar gastos sociais (discutível).
Em entrevistas, o presidente Lula endureceu o tom contra o Congresso, centrando o discurso no direito constitucional do governo de alterar a alíquota do IOF, o que evoluiu para apelo por “justiça tributária” nas falas de ministros como Fernando Haddad e Rui Costa. Nas redes sociais, a militância encabeçada pelo deputado Guilherme Boulos puxou o mote dos ricos x pobres ao lado da tag #CongressoInimigodoPovo.
A movimentação escalou com a divulgação da foto de Lula exibindo um cartaz pedindo a taxação dos super ricos durante as comemorações da Independência da Bahia, repostada nas redes de petistas e membros do governo, inclusive na do presidente. Ato contínuo, a imprensa passou a acusar o governo de usar a tática do “nós contra eles”, de “antecipar a disputa eleitoral” e de fomentar a “polarização”.
Para além das colunas, onde cabem opiniões e análises, a crítica foi incorporada como viés no noticiário, com reportagens explicando o caso como se a intenção do Congresso fosse apenas barrar o aumento da carga tributária “já excessiva” – e não proteger determinados setores, chantagear pela liberação das emendas parlamentares (sob escrutínio do ministro do STF, Flávio Dino) e enfraquecer o governo eleitoralmente.
Como todos sabem, não há como entregar resultados – fator determinante da popularidade de um governo e, portanto, de seu capital político para as eleições -, com o orçamento monopolizado pelo Congresso, corroído por isenções e subsídios fiscais e sugado por super salários. Distorções que os parlamentares não pretendem corrigir, muito pelo contrário, o que não mereceu destaque no noticiário.
A direita obviamente se aproveitou das lacunas de informação e seguiu espalhando fake news – cansei de explicar nas redes e para pessoas do meu cotidiano que o IOF não afeta o pix, por exemplo. Já o Congresso posou de vítima e acusou o governo de radicalização e de romper o diálogo, como se isso tivesse acontecido de forma unilateral, o que também foi engolido sem questionamento pela imprensa.
Não consigo imaginar outra saída para o governo conseguir executar seus projetos sem buscar mobilizar a população – ao menos aquela parcela que historicamente vota no PT – através de sua bandeira mais duradoura: a de um governo que tem os mais pobres como prioridade. E aí, não tem como escapar – não há como reduzir a desigualdade sem distribuir renda em um país em que 1% da população tem rendimento médio mensal 39,2 vezes maior do que os 40% mais pobres.
O atual modelo de desenvolvimento global, do qual o Congresso e a imprensa são árduos defensores, tem concentrado riqueza na mesma medida em que aprofunda a pobreza, como comprovou um relatório divulgado pela Oxfam, ONG internacional especializada no estudo das desigualdades, coincidentemente no mesmo dia em que o Congresso derrubou o decreto do IOF.
De acordo com o documento, nos últimos dez anos o 1% da população que compõe a elite global acumulou 33,9 trilhões de dólares, enquanto quase metade do mundo (3,7 bilhões de pessoas) vive na pobreza. Mais: o valor concentrado nas mãos dos super ricos seria suficiente para acabar com a pobreza 22 vezes – informação que viralizou nas redes sociais. É esse o placar da disputa entre ricos e pobres.
Como disse o diretor executivo da Oxfam, Amitabh Behar, não há como falar em pobres sem falar em ricos. “Essa concentração de riqueza está sufocando os esforços para acabar com a pobreza”, explicou. Ou seja, estamos enxugando gelo.
A taxação dos super ricos é uma das propostas da Oxfam para reduzir a desigualdade, o que, aliás, tem o apoio de boa parte da população mundial: uma pesquisa realizada por essa ONG em parceria com o Greenpeace em 13 países – entre eles Brasil, Estados Unidos, África do Sul e França – mostrou que 9 em cada 10 entrevistados apoiam a taxação dos mais ricos para financiar serviços públicos – outra recomendação da Oxfam para reduzir a desigualdade – e ações contra as mudanças climáticas, que já afetam desproporcionalmente os mais pobres.
Se quiser contribuir para o debate democrático, a imprensa tem que enfrentar com clareza a questão ricos x pobres e cobrar do governo e do Congresso mais iniciativas em direção à igualdade, em vez de fingir que os ricos não têm responsabilidade sobre a pobreza ou circunscrever a questão à disputa eleitoral.
Até o momento, com honrosas exceções, também o jornalismo está perdendo o jogo.